terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Austrália: Imagens dos Portões do Inferno

Incêndio nas proximidades do Lago Repulse /
área de Meadowbank, visto de Hamilton,
Tasmania, 4 de Janeiro de 2013. Por ToniFish, 
Nos últimos dias, uma onda de calor recorde se abateu sobre a Austrália, como já documentamos. Dia 07 de Janeiro, a média das temperaturas máximas em território australiano (cujas dimensões são continentais) bateu recorde, chegando a impressionantes 40,33°C. Quatro dos dez dias mais quentes do registro histórico australiano ocorreram este ano e durante sete dias consecutivos (também um recorde), a média das temperaturas máximas ficou acima dos 39°C. As informações são do Australian Bureau of Meteorology.


A faixa de temperatura entre 50 e 54°C teve de ser
adicionada pelo serviço meteorológico australiano
em seus mapas de previsão. A escala anterior,
ultrapassada em alguns pontos, só ia até 50 graus.
Neste texto, voltamos àquele distante País, cujo serviço de meteorologia teve de introduzir novas cores ao seu mapa de previsão de temperatura (imagem ao lado). Mas são outras as imagens realmente fortes, desconcertantes, perturbadoras: as dos incêndios que acompanharam a onda de calor e do rastro de devastação por eles deixados. São expressão do tipo de realidade que ninguém deseja encarar e que, comumente, como uma defesa psicológica, são simplesmente evitadas, escondidas. Uma das pessoas que fotografou (responsável pela primeira foto) definiu o que viu como os "Portões do Inferno".

Resolvemos mostrar algumas dessas imagens, pois há um inimigo mais perigoso do que o papel pernicioso dos negadores das mudanças climáticas e sua propaganda mentirosa: a inércia por parte do enorme contingente de pessoas que, embora não se oponham ativamente à realidade das mudanças climáticas e dos perigos que ela traz, não se envolvem. Diversos sites de notícias, como a CNN, dedicaram "galerias" de fotos dos incêndios australianos, o que parece ter o estranho efeito de atenuação da realidade. Não faz parte de minha área de atuação, e sim, da Psicologia, mas fico a imaginar qual seria a maneira mais apropriada de exibir essa realidade sem afugentar as pessoas, empurrando-as para a negação (de qualquer tipo, com a finalidade de não se sentirem incomodadas) nem para a naturalização dessa realidade. Na falta de clareza a esse respeito, opto por simplesmente compartilhar imagens de uma realidade desagradável, mas cuja escalada para um estado ainda mais fora de controle pode ser evitada.

Foto da família Holmes, protegendo-se de incêndio
(Associated Press)
Casas destruídas, com objetos pessoais deixados para trás, cenas de cadáveres de animais, sejam eles selvagens, domésticos ou reses, cenas de medo, na fuga de um incêndio, ou de extrema tensão por parte de bombeiros, no combate a outro, se tornaram extremamente comuns. Uma das cenas mais simbólicas (mostrada ao lado) é a da família Holmes (o link contém mais fotos), que se refugiaram do incêndio na água, junto a um cais. Felizmente, até agora, não se repetiu a tragédia de 2009, quando 173 pessoas morreram na Austrália (e outras 414 ficaram feridas) em virtude dos incêndios no evento que ficou conhecido como "Black Saturday".


Mesmo brutalmente atingidos por incêndios,
apenas 15% dos australianos consideram a
mudança climática o mais sério dos problemas
ambientais que afligem o País.

Mas sabe-se que, se por um lado os australianos, através de sistemas de alerta e mobilização do poder público, têm evitado mortes humanas em grande escala, por outro sabemos que há um limite para nossa capacidade de adaptação. Num planeta vários graus mais quente e numa onda de calor igualmente vários graus acima das que se observam hoje na Austrália (e há poucos meses nos EUA), quais as chances de êxito em conter incêndios ainda maiores, promover evacuações mais massivas, lidar com prejuízos ainda mais brutais para a economia, a sociedade e a biodiversidade? É preciso que fique claro que há um ponto a partir do qual a adaptação sairá bem mais cara do que a mitigação (isto é, a redução, hoje, já, das emissões). Há outro, a partir do qual a adaptação se tornará impossível.

24% dos australianos negam que usar carvão, petróleo ou
gás natural contribua com as mudanças climáticas.
Por isso é lamentável que evite-se, sobretudo, além das imagens, falar das causas. Não obstante todas as evidências científicas, que são cristalinas no sentido de apontar a gravidade da questão climática, apenas 15% dos australianos consideram que as mudanças climáticas são, para seu país, o mais sério problema ambiental. Mais além, a relação causal inequívoca entre o aquecimento do sistema climático global e a emissão contrasta com o fato de que 24% dos australianos afirmam que "definitivamente" ou "provavelmente" não seja verdade que a cada vez que usamos carvão, petróleo ou gás natural estamos contribuindo com as mudanças climáticas.

É aproveitando essa fuga da realidade por parte da população que o grande capital e os governos (que ou o servem descaradamente ou ante ele capitulam) passam a manobrar. Como bem satirizado pelo Greenpeace, o governo australiano aplica uma no prego, outra na ferradura, como se não houvesse conexão entre o carvão exportado pela Austrália e os incêndios que assolam aquele país. Na verdade, não se pode esquecer da conexão entre cada molécula de CO2 emitida em termelétricas e em motores a combustão. O falso conforto psicológico que a fuga dessa conexão oferece somente adia a solução. E esta, como sabemos, está na extinção dos combustíveis fósseis.

Um comentário:

  1. Existem alguns bons livros começando a explorar esse aspecto psicológico da negação. De fato, a indústria da desinformação teve (muita) colaboração da própria natureza humana em sua maneira de abordar problemas.

    Já ouvi que as pessoas tendem a tirar de seu foco de atenção qualquer problema que pareça grande demais ou que sintam que não têm poder nenhum sobre ele. É apenas uma de várias explicações com que me deparei, mas intuitivamente ela me parece fazer sentido.

    Tenho a convicção de que, para a mobilização, são necessários principalmente dois passos:

    - mensagens mais claras quanto ao estado da ciência, por parte das instituições. Não apenas o James Hansen ser preso num protesto isoladamente (por mais que admire a determinação dele), mas NASA, NOAA ou instituições desse porte endossarem uma campanha direta ao público, tão simples e clara quanto os avisos sobre os perigos do tabagismo. Hoje muita gente ainda mantém a falsa impressão de "debate", em parte pela reticência dessas autoridades institucionais em se expor a uma briga enlameada pela política.

    - canais de expressão que possam aglutinar os anseios daqueles que se sensibilizaram com o problema. Seria a saída ao impasse de "não ter o que fazer" enfrentado individualmente.

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