sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Paleoclima I: “O Clima Mudou Antes”, Infartos e Assassinatos

- De todo jeito é inocente, certo?
Imagine uma situação inusitada. Um assassinato foi cometido, o primeiro assassinato da história da humanidade! E imagine que o primeiro caso em que uma pessoa humana é morta por um semelhante aconteceu já em tempos modernos, com os tribunais, o sistema penal, etc., devidamente constituídos como os conhecemos.

Toda a investigação foi conduzida conforme o figurino e as evidências (motivo, arma do crime, impressões digitais, etc.) apontam muito claramente para um único suspeito. Eis que seu advogado de defesa surge com um argumento mirabolante! Ele afirma que outras pessoas, além da vítima, já morreram antes. Que em todos os casos, a causa da morte foi natural. Que ninguém fora condenado porque outra pessoa faleceu em virtude de um infarto, um acidente vascular ou um câncer e, portanto, não se poderia condenar ninguém por assassinato.

Esse quadro surrealista é mais ou menos o que eu enxergo quando algumas pessoas desavisadas tentam negar o aquecimento global antrópico, afirmando que "o clima mudou antes". Ora, um sistema complexo cujo comportamento depende de forçantes exteriores e de uma complicada dinâmica interna, que inclui uma gama de mecanismos de retroalimentação, jamais se presumiria estático. Então a afirmativa "o clima mudou antes" é quase um pleonasmo. Mais óbvio ainda é o fato de que as mudanças climáticas do passado nada tiveram a ver com a espécie humana, seja porque, como no caso do encerramento do mais recente período glacial há aproximadamente 10 mil anos, o impacto promovido pela nossa espécie no ambiente em geral e no clima em particular era diminuto; seja porque, em mudanças climáticas de um pretérito mais profundo, nossa espécie sequer existia... Mas desde quando isso é argumento plausível para negar o papel antrópico na mudança climática do presente, do aqui e do agora? Pessoas morrem de infarto e de câncer e morrem até se, por um acidente, são atingidas em um órgão vital por um objeto perfurante. Neste caso, não há assassino. Mas desde quando se pode deduzir daí que em outra situação, quando alguém, ao atingir outrem com um desses objetos perfurantes, está livre para seguir por aí, sem ser identificado e punido?

Na postagem seguinte, começarei a abordar a questão das mudanças climáticas do passado, discorrendo brevemente sobre os métodos para recuperar informações do "Paleoclima". Deixarei para outras a discussão dos fatores que influenciam o clima em diversas escalas de tempo (que são diferentes, quando vamos de séculos até milhões de anos) e como cada uma dessas escalas nos traz lições para os dias de hoje. Abordarei das mudanças em milhões de anos, que fizeram a Terra passar por estados de "Terra-estufa", isto é, sem calotas polares e "Terra-geladeira", como hoje, até a chamada "Terra bola de neve", até mudanças bem mais sutis, até as variações relativamente recentes no "Período Medieval Quente" versus "Pequena Era do Gelo", passando pela alternância, na escala de centenas de milhares de anos, entre períodos glaciais (as verdadeiras "Eras do Gelo") e interglaciais. O que posso adiantar no momento é que todos esses estudos paleoclimáticos apresentam, na verdade, evidências muito fortes de que a influência antrópica sobre o clima de hoje é de fato profundamente significativa e que o risco de disparar mecanismos não-lineares de retroalimentação que tragam transformações de grandes proporções no sistema climático terrestre é bastante real.

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