domingo, 3 de março de 2013

Pondo pingos de lava nos "is": vulcões e clima

Alertado que fui para esta publicação desprovida de um mínimo de seriedade, resolvi avançar em algo que estava preparando, que é um conjunto de breves artigos sobre as forçantes naturais, principalmente o vulcanismo e a variabilidade solar. Isto se dá principalmente porque o referido texto, cumprindo o ritual de praxe dos negadores, distorce completamente as informações das fontes originais. Obviamente, é necessário reposicionar as questões à luz do que a ciência estabelece, sendo fidedigno às informações não apenas da Ciência do Clima, mas também da Vulcanologia e da Física Solar.

A matéria da Universidade do Colorado (Colorado University, CU) à qual o "artigo" negacionista nos leva, cumpre o papel tipicamente ruim da imprensa das universidades, que é amplificar as conclusões de determinado estudo de pesquisadores da instituição, algo que mostra o divertidíssimo site "PhD Comics", como ilustrado ao lado. O problema com os pequenos exageros dos serviços de divulgação das próprias universidades é que eles abrem caminho para um efeito dominó que pode resultar em enormes falsificações pela mídia e/ou pela blogosfera.

Como se deve fazer sempre quando a fonte é duvidosa (e, se possível, mesmo quando a fonte for confiável!), o fundamental é ir até os originais e, em seguida, recuperar corretamente a história.




O título do artigo  (de autoria de Neely e colaboradores) aceito para publicação na conceituada Geophysical Research Letters é "Recent anthropogenic increases in SO2 from Asia have minimal impact on stratospheric aerosol", ou seja, "Aumento antrópico recente do SO2 da Ásia tem impacto mínimo nos aerossóis estratosféricos" e seu foco é, na verdade, encontrar qual a razão do aumento observado nas concentrações de aerossóis na estratosfera. 


Anomalias de temperatura desde a década de
1950 até o início do século XXI, de acordo com 
Karl et al.(2006). Fonte: AR4, IPCC
Na escala centenial a milenar, aspectos como a variabilidade solar de longo prazo e o vulcanismo exercem um controle importante sobre o clima. Principalmente as explosões vulcânicas de grandes proporções são capazes de lançar aerossóis (pequenas partículas em suspensão) até altitudes muito elevadas. Ao atingirem a estratosfera (segunda camada da atmosfera, de baixo para cima), essas partículas por lá podem permanecer por um período muito longo e se distribuírem por grandes extensões do planeta, pois os movimentos verticais são inibidos nessa camada da atmosfera. Na figura ao lado, é mostrada a evolução, em 50 anos, da anomalia de temperatura observada na estratosfera (acima) em diferentes porções da troposfera (camada inferior da atmosfera), nos dois painéis intermediários e, no painel inferior, próximo à superfície. 

As três principais explosões vulcânicas recentes (AgungEl Chichón e Pinatubo) são destacadas na figura, mostrando um padrão de resfriamento na troposfera e na superfície, e de aquecimento estratosférico. O mecanismo é simples: os aerossóis na estratosfera bloqueiam parte da radiação solar, refletindo-a para o espaço ou absorvendo-as, reduzindo a quantidade dessa radiação que chega à superfície. Esquenta em cima, esfria embaixo. Em períodos de vulcanismo mais intenso, a tendência é, a priori, de resfriamento (esta é uma das razões pelas quais o planeta teria se resfriado ao final do século XX, ao invés de aquecido, se apenas fatores naturais estivessem em jogo). Há indícios de que explosões vulcânicas no passado, como a gigantesca erupção do Tambora, em 1815, tenham produzido anomalias climáticas de curto prazo maiores inclusive do que as presenciadas no século passado.

A questão que Neely e seus colaboradores queriam responder era outra: qual a origem dos aerossóis que recentemente aumentaram entre 4 e 10% ao ano, se a poluição na Ásia, em função do atmento de atividade industrial na China e Índia ou vulcanismo. A conclusão é a de que não é a poluição industrial a principal razão, mas a atividade vulcânica que cresceu recentemente, via erupções fracas e moderadas, cujo impacto é menos conhecido.


Óbvio, não há nenhuma questão em disputa em torno do aquecimento global e isso nem de longe passaria pela cabeça dos autores do artigo. Na própria página da CU, os cientistas declaram: "a maior implicação aqui é que os cientistas precisam prestar mais atenção às erupções vulcânicas pequenas e moderadas, ao tentar entender as mudanças no clima da Terra, mas em geral essas erupções não vão se contrapor ao efeito estufa (grifo meu). Emissões de gases vulcânicos aumentam e diminuem, contribuindo para resfriar ou aquecer o planeta, enquanto as emissões de gases de efeito estufa pelas atividades humanas simplesmente continuam a crescer".


Mas os negacionistas distorcem tudo, pois uma coisa é isentar a emissão de partículas de aerossol pela indústria (ou, na verdade, mostrar indícios de que sua contribuição é pequena) da presença de aerossóis na estratosfera nos últimos anos, outra é dizer que os modelos climáticos não levam em consideração o vulcanismo ou que as emissões de gases de efeito estufa não são, como é sabido, a principal forçante climática do presente, de longe. A capacidade de mentir por parte desses senhores é infinita!

Primeiro, é completamente falso que os modelos climáticos não contenham uma representação do vulcanismo. Uma seção inteira do quarto relatório do IPCC já foi dedicada à investigação do papel de explosões vulcânicas de grandes proporções, para as quais os dados já eram suficientes a chegar a várias conclusões. 

Comparação entre anomalia de temperatura
observada (linha preta) e resultados de
modelos, com (acima) e sem (abaixo)
a contribuição antrópica)
Os efeitos das principais erupções vulcânicas, por sinal, são muito bem representadas pelos modelos, quando estes são validados. A figura ao lado mostra o resultado de dois conjuntos de simulações com os modelos do CMIP3 e é mostrada no 4° relatório do IPCC. No quadro acima (a), os fatores naturais (variabilidade solar e vulcões), bem como os fatores antrópicos (gases de efeito estufa, aerossóis, etc,) são considerados. O conjunto dos modelos ("espaguete" em amarelo para modelos individuais, com a média em vermelho) concorda muito bem com as observações (em preto), tanto na tendência geral de aquecimento, quanto no efeito (eminentemente temporário) de resfriamento causado pelos principais vulcões do período. No quadro abaixo (b), é mostrado o resultado das simulações somente com fatores naturais e, obviamente, os modelos mostram algo que não concorda com a realidade, caso a contribução humana seja removida.

Segundo que, como bem afirmam os pesquisadores da CU, o efeito dos aerossóis vulcânicos é passageiro, não importando se são grandes ou pequenas erupções. Muito diferente é o efeito dos gases de efeito de estufa de vida longa, cuja acumulação contínua produz aquecimento. Aliás, não custa usar da oportunidade para lembrar que as emissões humanas de dióxido de carbono são mais de duas ordens de magnitude maiores do que as emissões vulcânicas desse gás, como mostramos noutro texto.

Que lições, enfim, os negadores deveriam aprender? Primeiro, se ao contrário das erupções de grandes proporções, as erupções menores não estão tão bem representadas nos modelos, incluí-las apenas fará com que sejamos capazes de representar melhor a variabilidade climática natural, isto é, o sobe e desce em torno da tendência de longo prazo ao aquecimento. E para a infelicidade deles, os modelos, que já representam corretamente todas as principais forçantes, a cada geração incorporam mais detalhes do sistema climático. Segundo, que, ao contrário de uma "boa notícia", o artigo na verdade, aponta para outro caminho... O que acontecerá quando esse vulcanismo mais ativo enfraquecer? O aquecimento voltará a se acelerar, claro. E, neste caso, independente da poluição na Ásia. Infelizmente, é claro, a verdade e o pensamento crítico passa ao largo das intenções desses senhores.

Go, Rams!
P.S.: Inevitável não lembrar da rivalidade entre os times de futebol americano da CU ("buffaloes", os búfalos) e da Colorado State University, a CSU, onde estudei ("rams", os carneiros). E que, na verdade, o acrônimo do modelo climático regional originário da CSU e com o qual trabalhamos na Universidade Estadual do Ceará (RAMS, ou Regional Atmospheric Modeling System) é, na verdade, uma velha piada, provavelmente de meu orientador brincalhão, Bill Cotton. Go Rams!




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